Meu filho está lidando com tráfico de hambúgueres

por | abr 23, 2020 | Estudos de Futuros, Futurismo

Sohail Inayatullah e Jaqueline Weigel

O MÉTODO CLA INTEGRADO EM CENÁRIOS

Um dos participantes baixou o tom de voz e disse: “Tenho vergonha de admitir, mas meu filho está envolvido no tráfico de hambúrgueres”. Essa foi a linha da apresentação do grupo “Alimentos saudáveis” no debate sobre os futuros dos alimentos em 2030.

Durante o workshop de Futures Thinking e Método CLA no Rio de Janeiro, quatro grupos apresentaram suas descobertas. Eles usaram o método de cenários integrados desenvolvido por Inayatullah. Nessa abordagem, são desenvolvidos quatro cenários: o preferido, o renegado, o integrado e o outlier. O grupo do futuro preferido concebeu os alimentos em 2030 como orgânicos, abundantes e acessíveis a todos. O mundo seria um lugar onde as pessoas se alimentariam espiritualmente de luz e cores, receberiam fisicamente injeções de vitaminas e vegetais e mentalmente encontrariam seu equilíbrio através da aromaterapia. Elas praticariam meditação regularmente e estavam livres de alimentos nocivos. Nesse futuro, ingerir álcool, fumar ou comer muito açúcar seria inaceitável. Nos momentos finais da apresentação do grupo, uma das participantes afirmou, envergonhada, que seu filho vendia hambúrgueres, como se ele fosse um fora da lei. O choque foi imediato e a imaginação dessa cena ridícula deu lugar a uma possível realidade futura. A metáfora deles – ficou óbvio para todos – era “alimento para a saúde”.

O segundo grupo, o cenário renegado, focou nas grandes corporações atuais, interessadas em manter seus mercados e em usar tecnologias como impressoras 3D para produzir alimentos em grande escala para todos. Ciência, tecnologia e capital garantiriam a demanda futura, garantindo alimentos abundantes, mesmo com altos custos de investimento inicial. A metáfora deles era “comida para todos”.

O terceiro grupo, que representou o futuro integrado (combinando o preferido com o renegado), imaginou um mundo com alimentos saudáveis para todos até 2030, resultante tanto da combinação de ciência e tecnologia quanto do melhor uso dos recursos naturais do planeta. A  visão de mundo principal desse grupo foi a sustentabildade, e a metáfora narrativa era “alimento para a vida”.

O último grupo, o outlier, trouxe valores que eram atípicos, mas comuns aos seres humanos. O grupo desafiou os outros com a narrativa “Lar como fazenda”. Cada casa brasileira produziria sua própria comida com o uso de recursos naturais e impressoras 3D. Os ingredientes seriam orgânicos e os pequenos produtores seriam parte de uma rede relevante e ativa. As grandes empresas – que desperdiçam recursos naturais e produzem altos níveis de alimentos industrializados – não dominariam mais. Pequenas startups – brasileiras – estariam na liderança.

Após a apresentação dos cenários criados, a organizadora do evento e CEO do Wfuturismo, Jaqueline Weigel, desempenhou o papel de árbitra de futuros preferenciais e decidiu que, embora o primeiro grupo tenha tido o melhor desempenho em apresentar seu futuro, a “casa como fazenda” foi a apresentação mais convincente.

CLA NO BRASIL

Esses cenários foram criados pelos participantes do workshop CLA – Causal Layered Analysis – realizado pela primeira vez no Brasil em 15 de fevereiro, e ministrado por Sohail Inayatullah e Jaqueline Weigel. Futures Thinking Lab dava vista para o Museu do Amanhã, que serviu de inspiração ao grupo para que o Brasil encontre verdadeiramente seu amanhã. A intenção era mostrar como o CLA poderia ser aplicado a diferentes problemas enfrentados pelo Brasil, trazendo uma rápida possibilidade de transformar a natureza da decisão estratégica no mercado brasileiro. O CLA é usado para mergulhar em águas mais profundas do que apenas cenários e tendências, a fim de criar histórias transformadoras de futuros pessoais e coletivos.

O CLA é tanto uma teoria do conhecimento como um método de pensamento futuro. Assume quatro níveis de realidade. Ladainhas ou manchetes diárias maquiam a compreensão da realidade. Por exemplo, o número de mortes causadas pelo vírus Corona. O nível do sistema traz as causas complexas do vírus, como a venda de animais selvagens nos mercados, o consumo de animais exóticos e a falta de zonas-tampão entre a vida selvagem, as áreas agrícolas e as cidades.

As visões de mundo são as perspectivas mais profundas adotadas pelos atores globais sobre esse assunto, como médicos, cientistas, cidadãos, produtores de alimentos e governo. Urbanização, patriarcado e capitalismo são as principais visões de mundo que continuam a criar pandemias como o corona vírus. O nível mais profundo é a metáfora. No caso do corona vírus, essa poderia ser a história de “mais, mais e mais” ou “comida para mim”, sem regras reais de proteção ou prevenção, apenas comida para satisfazer desejos imediatos, mas mais prejudiciais para os outros.

O JOGO CLA E O FUTURO DO EMPREGO

Antes do desenvolvimento dos cenários, os participantes participaram do jogo CLA. Neste jogo em que os participantes desempenham papéis, os membros são divididos em quatro grupos. O grupo ladainha articula as manchetes. O grupo de sistemas confirma por que o título se tornou realidade. O grupo de cosmovisão contribui com diferentes perspectivas das partes interessadas e, por último, o grupo de metáforas transforma a manchete em histórias. O jogo CLA testa para verificar se a ladainha é plausível – se ela tem apoio do sistema, das partes interessadas e das narrativas – ou se é extremamente improvável.

Jaqueline Weigel apresentou a primeira manchete: “As empresas de petróleo e gás quebraram e há muitos brasileiros desempregados”. O grupo de sistemas adotou a manchete e justificou que isso ocorreu por causa da corrupção, falta de previsão e inovação na criação de novas tecnologias e sistemas que não estão se adaptando a um mundo em rápida mudança. As visões de mundo foram apresentadas por um trabalhador, uma estudante, uma CEO e o Ministro do Trabalho. A estudante disse que estava com medo do cenário. O trabalhador concordou. A CEO acrescentou que ela estava ansiosa e incapaz de tomar uma decisão, e o ministro respondeu que estava a caminho do Havaí.

O grupo de metáforas entrou na conversa, afirmando que “sempre soubemos que isso aconteceria, pois o Brasil continua sendo um gigante adormecido e agora está atrasado”. Todos concordaram que, sem o combate à corrupção e sem a previsão do governo, das empresas e da comunidade, o Brasil não progrediria.

A manchete seguinte foi “A digitalização levou a uma recuperação na economia do Rio. O emprego atingiu níveis máximos”. O grupo de sistemas começou a rir, cético de que esse algum dia viesse a ser o caso. O trabalhador disse que estava feliz, assim como a aluna e a CEO. O ministro ainda estava no Havaí.

A metáfora era: “O Brasil ainda não está no mapa”.

A principal narrativa a emergir foi a de que o Brasil é um lugar onde todos trabalham muito por si mesmos, mas ainda não possuem a narrativa de “um por todos e todos por um”. Essa parceria entre capital, empresas, preservação de recursos naturais, governo e trabalhadores é urgentemente necessária para que o Brasil possa se transformar.

Para praticar o CLA, os participantes criaram três grupos de trabalho. O primeiro olhou para os futuros do futebol. O segundo, para os futuros do alimento. O terceiro, para os futuros do emprego. Uma desconstrução do futebol revelou que, embora amado por todos, o futebol continua sendo de propriedade de poucos. Então, os participantes imaginaram um futuro diferente para o futebol. Nesse futuro, o futebol seria de propriedade de todos. As equipes de futebol seriam dirigidas por cooperativas, não por grandes clubes corporativos. Isso mudaria a estrutura profunda da propriedade esportiva no país. A mudança narrativa seria o futebol “amado por todos” para “de propriedade de todos”. Assim, haveria uma mudança sistêmica em relação ao modelo de copropriedade entre pares. A litania passaria do número de pessoas que assistem e jogam futebol para o número de pessoas que são coproprietários de clubes de futebol.

O CLA pretende formular políticas e estratégias mais robustas para países, sociedade, instituições, empresas e pessoas em geral. O CLA também é usado para autoanálise e recriação.

Um segundo grupo teve como foco a privacidade. Eles desejavam ver uma transformação no uso e propriedade dos dados, passando do interesse próprio para dados que beneficiassem a todos.

TABELA DE CLA SOBRE FUTUROS DA PRIVACIDADE DE DADOS

O CLA E A AUTO-TRANSFORMAÇÃO

O CLA é útil não apenas para entender e alterar as condições externas, mas também para transformar a história de vida de uma pessoa. A partir de um problema que enfrentamos, a pergunta transformadora é: em que metáfora você está preso? Qual é a sua narrativa futura?

Quando aplicado a um indivíduo, o CLA sugere primeiro identificar um problema (por exemplo, sentir-se preso em um trabalho). Em seguida, identificar que tipo de sistema pode ter criado o problema. Por exemplo, um conflito entre a necessidade de estabilidade e a necessidade de liberdade; o conflito entre os eus de “pai” e “adolescente”. O terceiro nível é o evento ou processo de origem que cria a visão de mundo. Nesse caso, um pai ou mãe pode ter dito a um filho que ele / ela precisa ser responsável e conseguir um emprego e que o futuro é um lugar arriscado. O nível final é a metáfora. Nesse caso, um entrevistado disse que sua vida era como a de “um pássaro em uma gaiola”. A nova metáfora orientadora para essa pessoa seria “voar como uma águia”. Em seguida, os participantes criam mudanças sistêmicas que se alinham à mudança na narrative.  Outra participante que enfrentava um problema de saúde mudou sua história do “buraco negro” para um “caminho brilhante”.

Também podemos criar a nova metáfora através do trabalho de meditação interior, aplicando um som sagrado à metáfora. Isso cria um potencial de transmutação em que a nova metáfora não vem do eu racional, mas de um aspecto mais profundo de quem somos. Por exemplo, a metáfora final poderia ser a coruja sábia – nem presa em uma gaiola nem voando alto -, mas sabendo quais são os passos certos a seguir: segurança com inovação.

Foresight no Brasil

O contexto do workshop de CLA foi ajudar a propagar metodologias de Estudos de Futuros para executivos brasileiros, para que as organizações e a sociedade pudessem se transformar, em vez de responder apenas às demandas de curto prazo do mercado. Sem profundidade, não há transformação, e sem transformação, não há futuro habitável. Dado que o Brasil continua sendo o gigante que está quase acordado, espera-se que as ferramentas de previsão possam ajudar o Brasil a acordar e a permanecer acordado.

Referências

Inayatullah, Sohail. 2015. What Works: Case Studies in the Practice of Foresight. Tamsui: Tamkang.

Inayatullah, Sohail and Milojević, Ivana (Eds.). 2015. CLA 2.0: Transformative Research in Theory and Practice. Tamsui: Tamkang.

Milojević Ivana and Inayatullah Sohail. 2018. Narrative Foresight. Futures. 73:151-162.

Ramos, Jose. 2010. Alternative Futures of Globalization. PhD Thesis Dissertation. Brisbane: Queensland University of Technology.

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