A Educação Disruptiva e os possíveis futuros das universidades

por | jun 24, 2020 | Estudos de Futuros, Futurismo

Artigo GEDUC 2020

Afirmar que mundo está cada vez mais veloz tornou-se lugar comum. Na realidade, o que dá a sensação de velocidade é a rapidez com que a inovação tecnológica dissolve as fronteiras entre o mundo físico e o virtual, transformando os tipos de interação possíveis não apenas entre humanos, mas também entre humanos e máquinas. A voracidade por inovação e mudança transforma não apenas o mundo dos relacionamentos interpessoais e de trabalho – on e offline, mas a forma como as pessoas aprendem.

Um termo muito usado no mundo da inovação tecnológica é “disrupção”. E o que significa o termo? A teoria da disrupção descreve um processo pelo qual uma empresa menor, com menos recursos, é capaz de desafiar com êxito os negócios estabelecidos através de inovações que terminam mudando radicalmente a maneira como uma determinada indústria funciona. Uma inovação disruptiva é aquela que dá origem a formas de trabalho, muito mais eficientes que as anteriores. Assim, ferramentas mais simples, baratas e sustentáveis conquistam seu espaço e, aos poucos, deixam para trás os modos convencionais de cada atividade. O modelo disruptivo é, portanto, aquele que pretende romper com o modelo estabelecido para melhorar o existente.

A EDUCAÇÃO DISRUPTIVA

Já há muito tempo se fala que o modelo de ensino é anacrônico, e muitos especialistas afirmam que a mudança disruptiva é necessária e urgente na educação porque o sistema atual, ainda ancorado em práticas pedagógicas do século passado, não está atendendo às necessidades da era digital.

Embora a educação seja o meio mais transformador e eficiente para que as pessoas possam realizar seus projetos de vida, a maior parte das escolas e universidades ainda está presa a um pensamento da era industrial 3.0. Esse tipo de educação está preso a um modelo conteudista não criativo, que não presta atenção ao desenvolvimento das habilidades e das competências dos estudantes.

Podemos afirmar, então, que o maior desafio da próxima década está em promover a disrupção na educação, operando mudanças radicais nas formas de aprender e ensinar.

Se tivéssemos que fazer um resumo dos desafios que se colocam para a educação em geral, poderíamos citar alguns dos objetivos do relatório 2018 Higher Education Edition, compilado pelo grupo US NMC Horizon, como: customizar a educação para adaptá-la às necessidades e qualidades de cada aluno, treinando profissionais que são letrados digitalmente e incentivando os alunos a construírem as habilidades técnicas e sociais exigidas pelo mercado de trabalho.

Como alcançar isso?

A resposta é a inovação. Daniel Castanho, CEO e sócio-fundador da Ânima Educação, um dos maiores grupos educacionais privados do país, afirma que

Quando juntamos pessoas heterogêneas, incentivamos o conflito de ideias e assumimos os erros. Isso é cultura de inovação.

Acreditando que o futuro da área está na “personificação em massa”, que é como ele chama a oferta de um ensino em que o aluno é protagonista de seu percurso formativo, Daniel Castanho colocou o empreendedorismo na escola que fundou, a Anima.  A escola adota a filosofia maker, em que os alunos são estimulados a adotar uma postura empreendedora, a prototipar e a testar soluções em espaços como fablabs e a integrar turmas de diferentes disciplinas. Para ele, a disrupção na educação é fundamental.

A disrupção na educação acontece quando a relação entre aluno e aprendizado deixa de ser passiva.

Se no ensino Fundamental e médio a escola precisa se reinventar, na universidade o desafio é ainda maior.

OS DESAFIOS PRESENTES NAS UNIVERSIDADES DO FUTURO

O acadêmico americano de negócios Clayton M. Christensen usou o conceito de disrupção para discutir as implicações das mudanças maciças nas universidades.

Na maioria dos programas universitários, um aluno conclui cursos em grandes campi em horários determinados. Geralmente, nos primeiros anos da maioria dos cursos universitários, o aprendizado é basicamente passivo, ou seja, o estudante universitário passa milhares de horas sentado, ouvindo o professor ou prestando exames e avaliações que depois serão corrigidos e devolvidos ao aluno.

Além disso, o atual modelo de ensino universitário baseia-se principalmente no pressuposto de concluir cursos de graduação e pós-graduação plurianuais, divididos em semestres ou períodos de 10 a 15 semanas.

Esse modo de “tempo de aprendizagem de assento” está se tornando obsoleto. Nos próximos anos, provavelmente haverá fusões e fechamentos em todo o setor universitário, em resposta às múltiplas rupturas enfrentadas pelo ensino superior.

Segundo a estudiosa americana Cathy N. Davidson, as universidades deveriam abandonar cursos de graduação genéricos e formas impessoais de ensino, tornando o ensino universitário mais acessível e relevante.

John Fischetti, diretor da Faculdade de Pedagogia da Universidade de Newcastle, fala a respeito de três pilares sobre os quais as universidades deverão se apoiar para serem disruptivas e continuarem existindo no futuro.

1. Promover o engajamento e o impacto

O ensino acadêmico deveria ser formatado para adotar novas formas de aprendizado. Alunos de qualquer curso, módulo, graduação ou pós devem ter oportunidades significativas de realizar um trabalho real com objetivos reais, como parte de sua experiência. Os alunos devem aprender fazendo e o aprendizado deve conectar a teoria à prática.

Embora isso pareça óbvio na medicina e na pedagogia, por exemplo, é igualmente crítico em línguas ou matemática. Da mesma forma, a avaliação deve ser uma ferramenta que leve à construção da aprendizagem.

2. Destacar o humanismo

A complexa e multifacetada realidade de um cotidiano hiperconectado está rapidamente nos levando ao mundo da inteligência artificial. Decisões sobre nossas interconexões futuras não serão apenas a respeito de carros sem motoristas, mas sim sobre transferir decisões morais a máquinas ou ferramentas inteligentes.

Para preservar o nosso lado humano, a educação universitária deve proporcionar oportunidades de os estudantes agregarem às suas vidas conhecimentos sobre ética, história, arte e filosofia, dentre outros.

3. Expandir o acesso dos alunos 

Até o momento, a maioria das universidades têm sido também instituições de seleção. Notas de exames como o vestibular e escores de testes como o ENEM, para mencionar instrumentos de seleção muito utilizados no Brasil, têm aumentado o acesso à universidade.  No entanto, as altas taxas de reprovação no primeiro ano, impulsionadas por avaliações ruins, levam a um grande êxodo de estudantes.

Numa era disruptiva, em que o aprendizado ao longo da vida é imprescindível para que todos nós permaneçamos flexíveis, tanto intelectualmente quanto profissionalmente, as universidades devem focar sua atenção em oportunidades, promoção de conhecimento e acesso flexíveis para os novos e numerosos tipos de experiências de aprendizado que oferecem.

Seguem algumas sugestões de Fischetti (2019) para que a universidade se reinvente.

Participação das universidades em um mundo hiperconectado

O conhecimento não está particionado em disciplinas separadas, como é feito nas universidades. Pelo contrário, as experiências devem cruzar fronteiras como aquelas colocadas entre ciências dura e mole, entre artes e biologia, e assim por diante. O conhecimento é humano e hiperconectado, e a tecnologia ajuda as universidades a cruzar essas fronteiras, tanto dentro de seus espaços de aprendizagem, quanto com outras universidades e com empresas e o mundo do trabalho.

Substituição do ‘tempo de assento’ como a principal medida de aprendizagem

À medida que as universidades forem adotando formatos e durações flexíveis de aprendizado, o tempo de assento em palestras e tutoriais não será o principal determinante da conclusão do curso. Cursos semestrais de 15 semanas serão substituídos por um aprendizado personalizado sob demanda. Essa já é a norma na educação militar e no treinamento corporativo.

Compartilhamento de expertise 

Os professores dos cursos de graduação juntarão esforços para compartilhar talentos de forma criativa, para que os alunos tenham acesso aos melhores e mais renomados professores e experts do mundo.

Aulas medíocres serão substituídas por ensino de primeiro escalão, permitindo que o staff da universidade apoie o envolvimento e o impacto dos alunos, promovendo a excelência e a qualidade.

Incentivo dos estudantes a se tornarem especialistas transdisciplinares

As universidades deverão oferecer cada vez mais oportunidades que ajudem os graduandos – e graduados – em qualquer área do conhecimento a serem ágeis e continuarem aprendendo, pois a maioria dos estudantes mudará de carreira ao longo da vida. Assim, é importante que as universidades aumentem a consciência de que é necessário estar pronto para a vida, mais do que para o trabalho.

A adoção das ferramentas inteligentes (smart tools)

As ferramentas inteligentes personalizam o aprendizado de forma dinâmica e interativa em todas as matérias acadêmicas. As ferramentas inteligentes e as experiências de aprendizado de realidade mista tornarão o modelo centrado no professor irrelevante. Os sistemas de inteligência artificial e realidade virtual, que continuam a crescer em sofisticação, transformarão o ambiente acadêmico.

Ao comentar sobre como seriam as universidades em 2030, Sue Beckingham, professora e diretora da Sheffield Hallam University, também destaca o papel das ferramentas inteligentes. Ela afirma que todos os estudantes teriam um “dispositivo inteligente”, que seria uma espécie de hub virtual pessoal, hiperconectado ao seu aprendizado. Esse dispositivo sincronizaria todos os trabalhos acadêmicos dos estudantes com seus professores e tutores, conectando-se também aos serviços da universidade e vinculando-os à sua vida extracurricular. Esse dispositivo inteligente serviria também para enviar trabalhos acadêmicos e receber feedback.

Ao discorrer sobre como poderiam ser os ambientes de aprendizagem nas universidades, ela afirma que

“haveria espaços de aprendizagem flexíveis, não definidos como laboratórios versus salas de aula (fileiras de mesas e cadeiras). Os alunos levariam o dispositivo inteligente para esses espaços, onde haveria carregadores nas mesas, a capacidade de conectar seu dispositivo a uma tela maior, caso eles quisessem trabalhar em grupos de 2 ou 3 alunos ou em grupos maiores. Haveria também paredes interativas para captar trabalhos colaborativos que seriam sincronizados com os dispositivos dos alunos.” (Beckingham, 2019).

De fato, o conceito disruptivo de um espaço de aprendizagem é o da hiper sala de aula, que seria um espaço de aprendizagem inovador caracterizado por três ideias unificadas pelo prefixo hiper:

– hiperespaço (hyperspace): um espaço amplo, aberto e flexível, que pode ser rearrajado de diversas formas, seja para trabalhos em grupo ou individuais,

– hipermídia nas salas de aula:  em que a tecnologia é um ambiente por si só, e não desempenha um simples papel de apoio; 

– hiperrealidade, ou o uso da realidade virtual e expandida, 3D, e quem sabe, 5D. Esse realidade imersiva tem um alto potencial pedagógico que deveria ser explorado pelas universidades.  

Por fim, é importante destacar o papel da universidade na educação disruptiva. O website IBERDROLA faz um pequeno inventário de alguns marcos de disrupção que algumas universidades – as que pretendem sobreviver – estão implementando.

  • Aprendizagem multidisciplinar – para criar profissionais com uma visão de longo alcance.
  • Enfâse na prática sobre a teoria– as universidades estão concentrando seus esforços em construir habilidades adaptadas à nova realidade da hiperconexão global.
  • Inovação digital – por volta de 800 universidades tem suas próprias áreas para o treinamento parcerias e propósitos de compartilhamento de conhecimento.
  • Laços mais estreitos com o mercado de trabalho – a tendência é que as universidades se transformem em plataformas para conectar as empresas e os estudantes, incentivando o espírito empreendedor.
  • Priorização da competitvidade – as universidades estão se tornando cada vez mais competitivas na busca pela liderança em pesquisas socialmente relevantes e criação de novos campos de conhecimento.

Conclusão

Enfim, quando se cogita a respeito do futuro da universidade, é necessário levar em conta que no mundo 5D todos os cidadãos da Terra precisarão fazer parte do aprendizado pós – ou mesmo extra-universitário – muitas vezes em suas vidas para permanecerem viáveis. Isso inclui a reciclagem de novos trabalhos, novos aprendizados para trabalhos ou profissões em que ainda nem pensamos, e o envolvimento em experiências universitárias. Não se pode esquecer, também, que é plausível cogitar sobre um futuro possível sem universidades e o que existirá no lugar delas.

Inovadores disruptivos devem ser a regra, não a exceção. Se os estudantes se unirem em uma comunidade de bem-estar, bondade e entusiasmo para resolver problemas e criar conhecimento de maneiras flexíveis, usando ferramentas inteligentes emergentes para reforçar o aprendizado, poderão abraçar com tranquilidade as oportunidades e os desafios do mundo digital.

Referências:

Beckingham, Sue. What will the university look like in 2030? Blog pessoal. https://www.suebeckingham.com/2019/04/what-will-university-look-like-in-2030.html

Christensen, Clayton; Raynor, Michael; McDonald, Ray. What is disruptive innovation? Harvard Business Review, dez 2015. https://hbr.org/2015/12/what-is-disruptive-innovation

Dalmolin, Luana. A disrupção na educação acontece quando a relação entre aluno e aprendizado deixa de ser passiva. Entrevista com Daniel Castanho. Draft, 16 junho 2018..https://www.projetodraft.com/a-disrupcao-na-educacao-acontece-quando-a-relacao-entre-aluno-e-aprendizado-deixa-de-ser-passiva/

Disruptive education for meeting the challenges of the future. IBERDROLA. https://www.iberdrola.com/talent/disruptive-education

Fischetti, John. The three things universities must do to survive disruption. The Conversation. 18 Junho, 2019. https://theconversation.com/the-three-things-universities-must-do-to-survive-disruption-117970

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