Por Jaqueline Weigel — futurista e fundadora da W Futurismo
O mercado migra de quanto produzimos para como produzimos — dados, água, carbono e nutrição viram vantagem competitiva. É possível dobrar nutrientes por hectare, reduzir pela metade litros de água por tonelada, zerar carbono líquido e garantir rastreabilidade acessível. Iniciativas “no-regret” valem em qualquer cenário, governança de dados e talentos define a sucessão.
Do mito do volume ao “sistema operacional do alimento”
A geração anterior venceu na escala. A nova geração vencerá nos dados.
No mundo de 10 bilhões de pessoas, produzir mais não basta: é preciso produzir melhor — com menos água, menos emissões, mais valor nutricional, mais transparência e entrega resiliente a choques climáticos e geopolíticos. O agronegócio brasileiro precisa aceitar trocar a mentalidade de commodity por uma visão de plataforma: a fazenda como sistema operacional de alimento, dados, energia e serviços ambientais.
Essa transformação não é só tecnológica. É estratégica e cultural: pede decisões irreversíveis nos próximos 24 meses e coragem para abandonar práticas que já não se sustentam: expansão extensiva, gestão analógica, uso ineficiente de água e nutrientes, rastreio “de papel”, governança frágil de dados.
Quatro forças mensuráveis
1) Dados confiáveis.Sem telemetria, MRV simples (medição-relato-verificação) e LGPD do Campo, os negócios não acessam prêmio nem crédito inteligente.
2) Água como ativo.Eficiência hídrica, outorga responsável, reuso e irrigação de precisão são “licença de operar”, especialmente no Cerrado.
3) Carbono como negócio.ABC+, solos saudáveis, ILPF, bioinsumos e energia limpa reduzem custo e abrem novas receitas.
4) Nutrição por hectare. Valor nutricional mensurável desloca o debate de volume para qualidade alimentar — e clientes pagam por isso.
Estratégia em 7 iniciativas
1) Agro de Precisão com contrato de performancePilotos por microrregião (soja, milho, pecuária): sensores, VRT, drones e modelos de IA por hectare, vinculados a metas de produtividade e economia de água/nutrientes.
2) Eficiência hídrica e nutrição de precisãoTelemetria de irrigação, gotejo, reuso, diagnósticos de solo/foliar, bioinsumos e metas por talhão.
3) Rastreabilidade ponta-a-ponta : integrado ao ERP; auditorias algorítmicas amigáveis, custo por tonelada rastreada baixo.
4) Governança de Dados (LGPD do Campo) Política de propriedade e uso de dados, anonimização, segurança, acordos justos com vendors.
5) Talentos e sucessão agrodigitalAcademia com SENAR/IF/agtechs: dados, robótica, MRV, contratos e cibersegurança; trilhas para sucessores.
6) Export readiness e mercados premium Bem-estar animal, ESG e “deforestation-free”, playbookde conformidade por cadeia; relacionamento com compradores globais.
7) Gestão de risco integrada (clima, preço, ciber) Seguro paramétrico, hedge climático/commodities, plano cibernético, estoques estratégicos e stress tests.
A prova dos cinco números (metas até 2040–2050)
Construa seu dashboard e defina metas por cultura/cadeia:
- Calorias/ha e proteína/ha (ou micronutrientes relevantes).
- Litros de água/tonelada.
- kgCO₂e/tonelada (líquido).
- Lead time (dias) até o cliente final com rastreabilidade acessível.
E se o mundo não nos der trégua?
Quando o clima apertar, resiliência vira margem: água como ativo, energia própria , diversificação de culturas e destinos, e estoques inteligentes separam quem passa o ciclo e quem sai do jogo. No digital, incidente de dados é risco operacional real. Trate ciber segurança como trator: preventiva, monitorada e segurada.
Chamado à ação
Se o mundo chegar a 10 bilhões, a pergunta não é “quanto mais áreas podemos abrir?”, e sim: “Como dobrar nutrientes por hectare, cortar pela metade a água por tonelada, zerar carbono líquido e entregar rastreabilidade acessível — sem abrir nova áreas?”
As respostas já existem em pedaços. O desafio é orquestrar. Quem começar agora, com metas claras, dados confiáveis e contratos inteligentes, vai capturar os prêmios de 2040–2050. O resto vai disputar commodity ao preço do dia.
W Futurismo, expert em Futures Studies e Foresight, Brasil